segunda-feira, 31 de março de 2014

OS MALES DO PROSELITISMO SOTERIOLÓGICO



Conta-se que João, um cristão recém-convertido chegou a uma comunidade de teologia arminiana, e ao comunicar-se com os membros daquela congregação, disse para eles que a pessoa que lhe havia pregado o Evangelho determinou que ele procurasse essa denominação, na qual ele pudesse adorar. Esta informação os chocou, ao passo que eles disseram: “Saia daqui agora mesmo, seu calvinista fatalista, pois nessa igreja pregamos o livre-arbítrio e a dignidade humana.” Contrariado, o rapaz foi à procura de outra comunidade, dessa vez de teologia reformada. Encontrando o pastor e os presbíteros locais, deixou-os cônscios do seu desejo de participar de uma igreja local. Então, o pastor perguntou o porquê dele ter se achegado àquela denominação, ao passo que ele responder: “Eu a escolhi a fim de congregar.” Indignado, o pastor bradou: “Não queremos arminianos por aqui, pois eles negam a soberania de Deus.” Com isso, é de se imaginar quão confusa ficou a cabeça daquele irmão, pois além de não ter sido bem recebido por nenhuma das duas igrejas locais, foi mal interpretado sem sequer ainda ter conhecimento de nenhuma das vertentes teológicas.
Infelizmente, essa é a mentalidade de muitos irmãos, os quais na tentativa de serem “zelosos” em prol da defesa bíblica, acabam sendo mesquinhos e grosseiros no trato para com o próximo. Não estou condenando o ato de defender uma doutrina bíblica, nem de repreender ou mesmo excluir alguém da igreja por apostasia, mas fazer isso por orgulho e bairrismo é agir de forma desamorosa para com os nossos irmãos mais incautos. Segundo a página Wikipédia, “o proselitismo é o intento, zelo, diligência, empenho ativista de converter uma ou várias pessoas, ou determinados grupos, a uma determinada causa, ideia ou religião.” No campo da soteriologia, ou seja, da doutrina da salvação, é desejar que alguém abrace alguma das escolas já existentes, como por exemplo o calvinismo, o amiraldianismo, o arminianismo, o molinismo, o semipelagianismo ou mesmo o pelagianismo. Não há problema em querer ensinar doutrina às pessoas; é bom estudar teologia. O problema é quando queremos “empurrar” essas coisas “goela abaixo” de nossos irmãos, e se eles não aceitarem algum sistema ao pé da letra, consequentemente serão excluídos, ou pelo menos menosprezados. Gostaria de citar alguns males que esse proselitismo exacerbado pode ocasionar.
Em primeiro lugar, isso afeta a unidade entre os membros do corpo de Cristo. Realmente existem princípios fundamentais sobre os quais não podemos discordar (Ex: a Trindade, a inerrância da Bíblia, a ressurreição e nascimento virginal de Cristo), porém não é salutar à comunhão excluir aqueles por quem Cristo morreu. O apóstolo Paulo, ao escrever aos crentes em Filipos, orienta Evódia e Síntique a que tenham unidade no Senhor, a despeito das possíveis diferenças (Fp 4.2), e antes dessa passagem, Paulo também exorta aqueles irmãos a não fazerem nada por partidarismo ou vanglória (Fp 2.3), mas sim considerar os outros como sendo superiores a si. Além de enfatizar a unidade entre essas duas irmãs e dos demais membros da igreja de Filipos, o apóstolo enfatiza a unidade da igreja, usando a figura dos membros de um corpo , os quais devem colaborar entre si (I Co 12.12-30). É possível que calvinistas e arminianos, mesmo com suas diferenças, possam colaborar para que o Evangelho se expanda e pessoas sejam convertidas a Cristo e discipuladas.  É ilógico pensarmos que devemos amputar membros dos nossos próprios corpos apenas pelo fato de não gostarmos deles. É louvável calvinistas desejarem que arminianos creiam pontualmente na doutrina da soberania de Deus, assim como arminianos desejarem que cada vez mais calvinistas invistam em evangelismo e missões, mas essas coisas só terão um valor eterno se forem mediadas por um desejo intenso de ajudar uns ao outros e de ter comunhão com esses irmãos em Cristo.
Segundo, isso pode gerar orgulho. O rei Salomão disse com acerto que “A soberba precede a ruína, e a altivez de espírito, a queda” (Pv 16.18 RA), enfatizando os efeitos catastróficos do orgulho. Além de Salomão, Paulo aconselha a Timóteo a exortar os ricos da igreja a não serem orgulhosos (I Tm 6.17), para não serem dominados pelas riquezas. Da mesma forma, calvinistas e arminianos não podem permitir que esse sentimento invada seus corações pelo simples fato de acharem que estão certos, mas a verdade deve ser ensinada em amor. É lamentável ver irmãos em redes sociais debatendo não com o intuito de trazer edificação ao próximo, mas trazer até mesmo fúria pessoal e deboche para com aqueles que de algum modo se opõem às suas idéias. Humildade e orgulho jamais andarão de mãos dadas nem se misturarão. A verdade deve produzir humildade, fazendo-nos mais semelhantes a Jesus, o qual além de Senhor, é humilde de coração (Mt 11.29). Um exemplo clássico sobre o orgulho e suas consequências foi a nação de Israel, a qual mesmo sendo sustentada por Deus, liberta das nações inimigas, e alvo do amor especial e gracioso de Deus, revoltou-se contra o seu Criador e voltou as costas contra Ele. Porém, como já sabemos, Israel não ficou sem castigo. Tiago diz que “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tg 4.6).
Em terceiro lugar e, por conseguinte, isso prejudica a vida de santidade. Uma vez que o orgulho faz morada no coração em virtude da defesa ferrenha de uma vertente teológica, isso nos afasta cada vez mais do exemplo áureo de Cristo. Apesar de me declarar calvinista na soteriologia, não posso afirmar que irmãos que não pensam exatamente como eu não são dignos do meu amor nem da minha ajuda, nem que eles não desfrutem de um relacionamento genuíno com o Senhor. Mesmo que eles não gostem da exposição de uma soteriologia correta, devo ensiná-los com amor. Devo também orar por eles, para que eles entendam corretamente a doutrina da salvação nos moldes da Bíblia e da teologia reformada. Não obstante George Whitefield ter sido um calvinista convicto, ao lhe perguntarem sobre se o grande pregador arminiano John Wesley estaria no céu após a sua morte, Whitefield respondeu que não, que eles estaria bem mais próximo de Deus. Isso é santidade. Isso é caminhar com o Senhor. Foram homens que Deus usou para serem santos e fazerem a diferença na geração em que viveram, pregando o Evangelho da salvação. Acredito que um cristão possa ter um caráter piedoso e santo mesmo sendo um calvinista ou um arminiano, portanto, não nos cabe excluir a um ou a outro por defender um dos sistemas, pois ambos foram aceitos e amados por Deus.

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